10 de março de 2011

Artigo - AGORA É QUE SÃO ELAS

Publicado no Jornal Estado de Minas
5 de março de 2011
Artigo do Jornalista João Paulo sobre o Novo MINC

O Ministério da Cultura está em crise. A notícia é boa. Considerada historicamente acessória no conjunto das políticas públicas, a área cresceu, ganhou importância, atraiu interesses em várias frentes e se tornou território de disputas. Essa situação, que pode ser traduzida simplesmente como política, significa a ampliação do setor e o amadurecimento de um conjunto de propostas que vêm sendo apresentadas ao longo do tempo. Não se pode deixar de reconhecer na gestão de Gilberto Gil a raiz dessa mudança de rota.

O ex-ministro integrou a pasta da Cultura no núcleo mais conhecido do governo, enfrentou inimigos poderosos, teve coragem de colocar o dedo na ferida ao debater o vício de origem das leis de incentivo (a falta de risco e compromisso do setor privado; o excessivo apego ao marketing institucional), apostou na descentralização, encarou os feudos que se acostumaram a sugar recursos públicos sem prestar conta a quaisquer critérios de natureza social (e não ideológica, como se acusou à época), teve a inteligência de escalonar a política de incentivos em projetos de baixo custo e grande impacto.

Além disso, a gestão de Gilberto Gil foi das mais dialogadas do setor, sem se fechar em grupos nem fugir do debate. O ministro emprestou ainda seu patrimônio pessoal ao projeto e brigou pela ampliação dos recursos para a cultura no Orçamento da União. Com tanta movimentação, é claro que sua atuação se ampliou por ondas, como pedra jogada no lago, e fez com que vários setores buscassem o dinamismo necessário para entrar no jogo. Criador, Gil teve ainda a ousadia de abrir o debate sobre direitos autorais, assumindo postura pública no âmbito das políticas de arrecadação e licenciamento.
O ministro que o sucedeu, Juca Ferreira, levou adiante os mesmos propósitos, fechando a gestão com um repertório de ações que de alguma forma iriam dirigir a sequência das políticas da área. A escolha da ministra Ana de Hollanda, por tudo isso, criou grande expectativa e reabriu antigas disputas que tiveram seu centro hegemônico deslocado pela gestão Gil/Juca. Uma herança de debates é sempre melhor que o testamento de silêncios e autoritarismo. Logo na entrada, a ministra conheceu seus primeiros contendores na área dos direitos autorais, ao retirar o licenciamento do Creative Commons do site do MinC e colocar o debate da nova lei em segundo plano.

O governo Dilma Rousseff vem recebendo acompanhamento cordial e relativamente benevolente por parte dos meios de comunicação. Nesse aparente mar de boa vontade, o Ministério da Cultura parece ser o único lugar no qual se instalaram o debate e a discordância pública. Além da questão dos direitos de autor, o recente episódio envolvendo o sociólogo Emir Sader merece atenção. Intelectual de prestígio internacional, Emir foi indicado para ocupar a Presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa, mas, antes mesmo da posse, foi “desconvidado” em razão de declarações à imprensa sobre seu projeto para a instituição e acerca de sua avaliação da postura da ministra em relação aos cortes que incidirão sobre a pasta.

Sader, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, qualificou de “autista” a atitude da ministra, que não se mobilizou para garantir o repasse de recursos aos pontos de cultura. A indelicadeza ou inexatidão do ex-futuro-presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa pode ter custado seu cargo, mas o mais importante é a aparente oposição apresentada por alguns setores aos planos de Sader para a instituição. Para o sociólogo, a Casa de Rui Barbosa vinha se especializando em projetos de natureza acadêmica, sobretudo na área de literatura e história das ideias, e caberia a ela ampliar seu espectro de interesse de modo a atingir o grande debate político necessário ao país. Nesse caminho, citou nomes de intelectuais de esquerda que gostaria de ver debatendo no interior da instituição e, mais ainda, com a sociedade.

O intelectual Emir Sader foi convidado para o posto exatamente por suas credenciais. Ao mostrar coerência com sua trajetória, merecia ser convidado ao debate, e não execrado por defender posições. Há nessa história da fritura de Sader a evidente rearticulação dos setores mais conservadores, como se vissem nele uma cunha lulista no atual governo. O caso mostra que a política está viva no setor e não pode ser simplesmente anulada com cândidas defesas da competência da linha de pesquisa da Casa de Rui Barbosa. Chegou-se a dizer que se tratava de atentado ao pensamento liberal de Rui ter alguém como Sader à frente da instituição. Seu nome não é uma linha de ação nem seu patrono um guia incontestável.

Pode-se e deve-se criticar Emir Sader pelo que disse, mas não pelo que supõem que ele queria dizer ao apresentar uma proposta para a instituição que foi convidado a dirigir. De mais a mais, abrir o debate político numa casa de pesquisa é, no mínimo, cumprir uma de suas funções mais importantes. A Casa de Rui Barbosa não deixaria de ser sede de pesquisas, nem se alinharia com a perspectiva de seu dirigente. Acreditar em respostas tão mecânicas é sinal de mau comunismo e péssimo liberalismo. Negar à instituição a vocação para o diálogo e incorporação de novas vozes é um exercício de limitação ideológica, exatamente o que condenam no sociólogo.

O mais importante é que tudo isso acaba respingando na pasta da Cultura como se tratasse de fraqueza de sua ministra. A má vontade com Ana de Hollanda, desde o começo, vem sendo dirigida por setores que não se julgaram contemplados e que tinham bom trânsito na gestão anterior. A esses se somam os que ficaram de fora nos últimos anos e veem nessa aparente instabilidade terreno para recuperar posições. São atores diferenciados e que parecem ter criado uma aliança tática para desestabilizar o terreno. Que a grande oposição tenha aparecido na Cultura é sintomático de dois processos: a importância que o setor conquistou e a existência de todo o caldo que gerou a saudável politização e profissionalização da área.

O momento atual é rico e deve gerar ainda mais mobilização entre os vários atores interessados na condução do setor. Cultura não é mais penduricalho, é área rica em poder, geradora de expressivo resultado econômico, político e social. A ministra Ana de Hollanda tem muito trabalho pela frente. Bom para ela, melhor para o Brasil

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