30 de março de 2013

Por que o teatro?

“Não vi isso nos meus 50 anos de profissão…” com essa frase o mestre Domingos de Oliveira resumia seu sentimento, entre a indignação e a depressão, sobre o fechamento dos teatros no Rio. Empossado a menos de dois meses, o novo secretário municipal de Cultura Sérgio Sá leitão, o quarto ocupante do cargo em 4 anos e dois meses de mandato do prefeito reeleito, entra para história do teatro… pela porta dos fundos.

Essa semana dois dos teatros fechados reabrem, mas pelo menos 30 espaços culturais públicos continuam em fase de avaliação do Corpo de Bombeiros para regularizarem seus procedimentos e materiais de segurança. Fechar teatros e espaços culturais foi a resposta “contundente” dada pela prefeitura do Rio à tragédia de Santa Maria.

A pergunta que não quer calar é: por que os teatros foram o alvo prioritário da prefeitura? Não me sai da cabeça as imagens vistas todos os domingos no Fantástico, ou em qualquer jornal ou telejornal de hospitais sucateados, presídios em estado deplorável, delegacias de polícia, escolas e universidades e toda a sorte de bens públicos absolutamente insalubres. Então por que o Teatro? Não havia outra solução, mesmo que emergencial, tipo colocar brigadas de defesa na porta de cada teatro, garantindo ao público a segurança em caso de alguma ocorrência e paralelamente fazer as vistorias necessárias, fechando pontualmente as salas que precisassem de reformas estruturais mas permanecendo abertas as que precisariam somente se adequar a legislação? O prefeito saiu-se com uma frase tirada dos piores filmes do bang-bang americano: fecho primeiro, pergunto depois. Sim cowboy, mas por que o Teatro?

A resposta mais óbvia é que o paladino da justiça tinha que dar uma satisfação a população e optou conscientemente por romper com o lado mais fraco da corda, aquele que é um estorvo para sua administração (4 secretários em 4 anos…). Assim mostrou serviço, mostrou ser rápido no gatilho, jogou para a plateia.

Em 06/02, antes dos feriados momescos, tivemos uma linda e significativa manifestação de artistas em frente à sede da prefeitura. Na ocasião uma comissão foi recebida pelo secretário Sá Leitão e aí começamos a entender os motivos que levaram a uma atitude tão precipitada e tomada de maneira tão alvissareira, apesar de ter gerado graves consequências pra os artistas, técnicos, produtores e público.

O relato da comissão é decepcionante: de cara, Sá Leitão quis empurrar a culpa para nossos colegas que atualmente são responsáveis pela gestão dos espaços (a maioria dos teatros públicos na cidade do Rio são geridos artisticamente por artistas vencedores de licitações feitas para definir as ocupações)!!!!! Quis empurrar a fatura da má gestão sua e de seus antecessores para os artistas, quando é absolutamente claro no contrato de cada teatro que cabe a prefeitura entregar os espaços em condições de uso (dito pelo advogado Ricardo Brajterman que pelo seu amor ao teatro tem se dedicado a essa questão), portanto a responsabilidade é da prefeitura/Secretaria de Cultura, sim! Tentar jogar a culpa dos problemas de conservação das salas para seus atuais gestores, mesmo que em parte, é no mínimo, covardia. Além do mais é bom que o prefeito saiba que um mês antes da tragédia de Santa Maria Sá Leitão fora alertado pelos gestores dos teatros municipais da situação crítica dos espaços. Em matéria do repórter Luiz Felipe Reis, publicada no Segundo Caderno de O Globo, noticiando uma reunião acontecida um dia antes entre secretario e gestores, pelo menos dois gestores falaram explicitamente em risco de incêndio devido às péssimas condições do sistema elétrico dos seus teatros. A própria foto que ilustra a matéria diz na sua legenda: “ Sérgio Sá Leitão ouve a diretora Karen Accioly falar sobre o risco de incêndio no Teatro do Jockey”. Que atitude o zeloso secretário tomou diante de um quadro tão grave? Pediu relatórios… Portanto já durante a sua gestão o secretário teve ciência do quadro gravíssimo de algumas salas e não tomou nenhuma providência objetiva.

O secretário também inverte a situação dos produtores: declara que para serem ressarcidos terão que escrever uma carta com uma justificativa!!!! Ora, é como deixar para o acusado o ônus da prova, ou seja, a prefeitura unilateralmente fecha os teatros interrompendo temporadas de sucesso como a de Édipo Rei no Maria Clara Machado, ou Ary Barroso – Do Princípio ao Fim, no Teatro Carlos Gomes, causando um prejuízo que será enorme, pois existem os custos como os de lançamento, avisar quando vai voltar, compromisso com patrocinadores e tantos outros e é a produção que tem que justificar? É o contrario Sr. secretário! É o senhor que tem que justificar junto aos órgãos financeiros da prefeitura a necessidade urgente de desembolsar verbas para pagamento imediato das produções prejudicadas, e não estamos falando só dos ingressos que seriam vendidos – um cálculo médio das duas últimas semanas, conta fácil de ser feita, já nos indicaria esse número, mas não é só isso, trata-se do que será gasto para relançar os espetáculos, trata-se dos custos extras que as produções terão para pagar suas equipes no caso daquelas que terão que obrigatoriamente repor as sessões abortadas, estreias adiadas, ou mesmo para garantir o mínimo de sessões estabelecidas em contratos de patrocínio e outros.

Mas a questão de fundo ainda estava por vir, o que tornou tão fácil a decisão de fechar os teatros municipais: o secretário é contra o atual modelo de gestão, que considera “o pior dos mundos”, simplesmente por que tem que licitar lâmpadas… Seu plano é entregar a gestão administrativa dos teatros para O.S. (organizações sociais) ou mesmo empresas artísticas, desde que tenham a capacidade de gestão administrativa.

Não sou contra as OS, nem contra fundações, nem terceirizações, afinal a própria gestão artística é uma forma de terceirização. As O.S. são um modelo vitorioso em algumas instituições públicas de sucesso como a Sala São Paulo e o Centro Cultural Dragão do Mar em Fortaleza. Diariamente somos atropelados por denúncias de corrupção e de gestões desastrosas levadas a cabo por funcionários públicos. A instituição pública em si não é nenhuma garantia de que as verbas serão bem aplicadas e os resultados pretendidos serão alcançados. A questão toda se resume na capacidade do poder público de determinar o que pretende daquele espaço, da transparência orçamentária e da sua capacidade de avaliar e acompanhar o desenvolvimento da implantação daquela proposta, esteja ela nas mãos de servidores públicos ou instituições privadas. No caso dos espaços culturais públicos da cidade do Rio, na sua maioria espaços de média e pequena capacidade, a gestão artística é entregue a artistas e/ou produtores e/ou grupos e através de suas empresas de produção cultural e esse modelo, com algumas variações, vinha, na essência, dando certo há vinte anos, desde que a Rede Municipal de Teatros foi formada no primeiro governo Cesar Maia em 1992. Faltou ao longo desses anos, sim, avaliar, sistematizar experiências, para que o modelo pudesse avançar mais e melhor do que avançou até aqui, no entanto, apesar disso, continua sendo o melhor modelo de gestão já concebido, tanto é que foi assumido pelos teatros estaduais e federais. A outra questão, que parece atormentar o secretário é a manutenção das salas e as tarefas administrativas, tais como tratar do alvará de funcionamento, limpeza, lâmpadas, equipamentos de som e iluminação cênicas, manutenção predial, contratação dos técnicos de palco, do pessoal de bilheteria e portaria, ou seja, a gestão administrativa, que seria até aqui tarefa da secretaria e seu corpo de funcionários que, pelo visto, vinha sendo muito mal executada, inclusive durante os já 4 anos do atual prefeito, dada a situação de precariedade das salas. Serviços para os quais as pequenas e médias empresas artísticas de grupos ou de artistas independentes não tem a expertise necessária, são tarefas que muitas vezes não estão nos contratos sociais das firmas de produção artísticas e que exigem capital de giro para serem assumidas. Portanto sairão perdendo os pequenos e médios produtores, que hoje são, digamos, o perfil básico das ocupações artísticas, para os grandes produtores e OS.

Mas vamos em frente: por que mudar a forma de gestão? Desde o primeiro momento, a primeira entrevista dada ao jornal O Globo, Sá Leitão demonstra que não tem proposta para a atuação da secretaria de cultura. Não consegue falar sobre uma só linha de política para o setor, o que sua gestão considerará prioritário, onde os investimentos devem ter mais peso, onde a prefeitura deve ser parceira e onde deve intervir pesado para aquele setor se desenvolva. Deixa isso claro ao afirmar que toda a intervenção da SMC se dará através de editais, como parece ter virado moda. Os editais deveriam ser apenas uma parte das ações da secretária, deveria atuar diretamente para o fomento a produção artística. No entanto o teatro não se faz apenas de produção de espetáculos. Por exemplo, importantes festivais de artes cênicas (teatro, dança e circo) que acontecem anualmente na cidade, alguns deles que já deveriam constar da agenda anual da secretaria, são obrigados a concorrer nos editais para terem suas verbas; trabalhos sociais de formação, absolutamente reconhecidos como importantes por diversas instituições públicas, concorrem aos editais; novos espaços abertos por artistas, que deveriam ser estimulados pela prefeitura, concorrem com seus projetos aos editais. Editais para o fomento as artes são verdadeiros sacos de gatos, onde eventos diferentes, de natureza diferentes concorrem como se fossem iguais: teatro infantil, teatro adulto, grandes, médias e pequenas produções, festivais, projetos sociais, ocupações de espaço e um sem fim de modalidades artísticas, todos são julgados por uma mesma comissão, concorrendo as mesmas verbas, e, principalmente, o poder público eleito, abrindo mão de ter ele uma política afirmativa para determinados setores ou determinados elos da cadeia produtiva, onde sua presença se faz mais necessária.

As palavras e expressões usadas pelo secretário pertencem mais ao vocabulário de um gestor privado do que de um agente público. Nas suas entrevistas esbarramos a toda hora com termos como “guichês” e “cultura competitiva”. Desde que Rio Filmes transformou-se numa empresa, Rio Filmes S.A., que Sá Leitão preside desde 2008, é absolutamente visível a mudança de perfil dos filmes apoiados pela instituição desde sua fundação, nos últimos anos, sobretudo na sua gestão, privilegiando os filmes do dito mercado em detrimento do cinema de baixo orçamento, dos filmes de arte, do cinema que, em princípio, não teriam chances no mercado. Nada contra empresa de fomento cultural, mas uma coisa é uma empresa outra é a secretaria de cultura.

Concluindo: o que esta em andamento na secretaria municipal de cultura é um projeto de transformá-la numa empresa, a SMC S.A., a ponta do iceberg é a nova política de ocupação dos teatros que irá privilegiar a sua gestão administrativa e não mais artística e como um “cala a boca” para os artistas, editais. Dessa forma a prefeitura se exime de encarar os verdadeiros problemas da cultura, das artes e do teatro carioca.

Lembro-me daquele antigo ditado chinês: quando um dedo aponta para a Lua, os medíocres olham para o dedo. Diante das questões suscitadas pela tragédia de Santa Maria o secretário de cultura do Rio só consegue enxergar o dedo. OLHA A LUA!

Por Dudu Sandroni.

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