Por Felipe Sil
Aos 18 anos, Ricardo Barbosa Blat sonhava ser piloto de aviação. Uma grave dificuldade, porém, o impedia de seguir em frente com seu desejo: a dificuldade de entender e decifrar as leis e diretrizes da mecânica e da física. Certo dia, ele percebeu que, na verdade, gostava mesmo era de se olhar no espelho e se ver com um uniforme elegante, na cabine de pilotagem de uma nave. “Percebi que esse meu desejo tinha mais a ver com um personagem em um filme do que com vocação, propriamente dita, de aeronauta. Então, decidi que meus voos seriam feitos no palco, através de personagens, e que conduziria o público nessas viagens”, revela.
Hoje, com 58 anos, o ator – irmão do autor Rogério Blat e primo do também ator Caio Blat –, é um dos principais nomes da dramaturgia brasileira. Ele relembra com carinho de quando decidiu começar sua carreira no TEM (Teatro Experimental Mogiano), na década de 1960. Nascido em 1965, pela iniciativa dos estudantes membros do grêmio estudantil Ubaldo Pereira, do então Instituto Washington Luiz, em Mogi das Cruzes, o grupo logo se transformou em associação cultural, em abril do ano seguinte, com a meta principal de promover a arte e a cultura na região, além de, como grupo teatral, ampliar a produção dramática no local.
Com o próprio TEM, Ricardo Blat receberia, em 1970, o prêmio de melhor ator coadjuvante com a peça “Sem Eu”, de Benê Rodrigues, no VIII Fetaesp (Festival Estadual de Teatro Amador do Estado de São Paulo), juntamente com Clarice Jorge (Melhor Atriz), Joaquim Rodrigues Neto (melhor sonoplastia) e Benê Rodrigues (melhor texto). “Aprendi, durante o período em que estive no TEM, as primeiras lições para se fazer teatro: respeito, colaboração, disciplina e dedicação com tudo e com todos que estão envolvidos na realização de um espetáculo. Aprendi, também, a ter muito respeito pelo público e a conquistá-lo com a qualidade, que é um compromisso que o profissional deve ter quando realmente gosta do que faz”, comenta.
Blat só estrearia profissionalmente na capital, entretanto, em 1971, com o espetáculo “Peer Gynt”, sob a direção de Antunes Filho. Outros trabalhos se seguiram, com destaque para a peça “Equus”, encenada em 1976. Para o consagrado ator, em relação à produção teatral existente nos dias atuais, nos 1970 havia maior comprometimento com a realização de espetáculos, tanto a nível ideológico quanto profissional.
“Havia forte ideologia político-social na maioria das produções e uma responsabilidade muito grande por estar defendendo posições que poderiam mudar, para melhor, a vida de muita gente. Era mais arriscado e emocionante estar num palco e sentir que sua atuação poderia mudar padrões sociais que estavam cristalizados. Meu trabalho, hoje, ainda se caracteriza por esse tipo de objetivo. O público nessa época ia ao teatro para se estimular e tentar corrigir aquilo que achava que estava errado em sua vida ou no planeta. Creio que eram mais participantes de uma proposta encenada do que meros espectadores. O ator no teatro deveria obedecer a regras rígidas, na maioria das vezes, as quais me ajudaram a ter senso forte de ética profissional, servindo-me de sólida base para praticar o ofício com respeito e liberdade”, afirma.
Os sucessos e as premiações não cessariam. O ator, que já trabalhou com os melhores diretores do País, foi várias vezes premiado. Em 1991, recebeu o Prêmio Shell de melhor ator por sua atuação em “Uma Estória de Borboletas”. Também na década de 1990 iniciaria, com o diretor Gawronski, o “Projeto Andersen, O Contador de Histórias”. Com as encenações de textos para crianças, ganhou, em 1995, os prêmios Mambembe e Coca-Cola pela interpretação de “O Patinho Feio”. No ano seguinte, receberia o Prêmio Mambembe pelo desempenho em “Na Solidão dos Campos de Algodão”. “Acho que a peça que mais me marcou foi ‘O Patinho Feio’, um monólogo que meu irmão Rogério Blat escreveu para mim. Já a personagem que me recordo com mais carinho é Alan Strang, de Equus”.
Entre seus trabalhos mais recentes no teatro destacam-se “Luzes da Boemia”, de 2000; “Os Inconquistáveis”, em 2001; “Ludwig e as Irmãs” de 2002; e “As Cadeiras”, em 2004. Ricardo Blat também tem experiência como diretor teatral. Já realizou os espetáculos “Nota 10!”, “Lendas e Parlendas”, “A Menina dos Fósforos” e “Os Gérmens da Discórdia” (todos escritos por Rogério Blat, seu irmão).
A TV também tem um grande papel na carreira e na vida de Ricardo Blat. Em 1976, após já ter estreado na Rede Tupi, com a novela “A Viagem”, foi convidado pelo dramaturgo Mário Prata para protagonizar “Estúpido Cupido”. “Fazia o João, um personagem poético e rebelde. A história se passava nos anos 1960, auge do verdadeiro rock, e eu me senti completamente dentro do assunto. Até hoje, quando vejo fotos, fico impressionado com a energia que rolou nesse trabalho”, recorda.
Na TV, Blat também integrou os elencos de “Pacto de Sangue”, “Kananga do Japão”, “Mulheres de Areia”, “Duas Caras” e da minissérie “Hilda Furação”. Já no cinema, realizou trabalhos de destaque em filmes como “Tanga - Deu no New York Times” e “Anjos do Arrabalde”, de 1987; “Madame Satã” e “O Príncipe”, de 2002; “Carandiru”, em 2003; e o documentário “Vinícius” em 2005. Em 2009, o ator esteve em cartaz no espetáculo “Medida por Medida” e participou de “Predileção”, primeiro curta-metragem dirigido por Márcio Garcia. No ano passado, Ricardo Blat já havia se apresentado nos palcos com a peça “Lobo nº1 - A Estepe”. “Tenho me focado mais no teatro nos últimos anos porque quis. O teatro sempre foi minha principal atividade. Gosto de estar no palco como se fosse o Prince tocando guitarra”, brinca.
Para Blat, afinal, o importante é poder atuar. “Ser ator é ser um atleta da emoção. É voar em níveis impressionantes onde se possa transgredir todas as convenções. É a possibilidade de ter liberdade durante esta existência”, declara. Como conselho para os novos atletas da emoção, aconselha evitar os receios de realizar experimentações e a buscar uma boa formação acadêmica. “Elas são as maneiras de ultrapassar o que já existe e está sendo consumido. Dou força para quem tem coragem de ousar, se arriscar e, quem sabe, contribuir com novidades dentro deste cenário tão padronizado. Uma formação também é importante para criar uma base sólida, alicerce para alçar voos que ultrapassem limites estabelecidos. Sem dúvida, o estudo abre portas para grandes descobertas. Há também o contato com profissionais que já estão exercendo a profissão há muito tempo e sempre adquirimos muito conhecimento observando-os. Sem deixar de lado, claro, a escola da natureza que nos invade de sabedoria ininterruptamente. É só estar atento a tudo e a todos e não deixar que o ego prejudique a nossa percepção”, avisa.
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