Michel Fernandes, especial para o Último Segundo
SÃO PAULO – Na minha curta trajetória como crítico de teatro, o respeito sobre quaisquer artistas é o maior compromisso ético que me guia. Por isso que o que vivenciei essa semana me assustou sobre os rumos dos apontamentos de alguns críticos sobre determinadas obras, por mais que sejam ingênuas trocas de e-mails, em que votantes de um mesmo prêmio indicam o que se deve ou não assistir e as razões para isto, é preciso estarmos cientes de que nossas opiniões são carregadas de compromisso além do nível corriqueiro e que não nos é permitido o uso da metonímia, ou seja julgar o todo pela parte da obra que nos aparece.
O caso é que um dos críticos votantes do júri ao qual pertenço, assistiu a um determinado espetáculo, detestou a montagem – o que é, absolutamente, justo! – mas disparou o absurdo sobre o autor do texto: “nunca gostei de fulano, nem quando ele escrevia para tal jornal. Ele só virou ‘cult’ porque morreu”.
Ora bolas, os juízos de valores emitidos por críticos de arte têm a obrigação de serem analíticos. Aos críticos não é permitido “desabafos” de gostos pessoais. Emitir uma opinião, com base no instrumental que lhe é competente naquele determinado momento, e depois repensar a respeito, é até salutar, mas emitir opiniões pessoais sem o mínimo de respeito, de maneira agressiva, tentando polemizar por polemizar, é inadmissível entre os críticos.
Concordo ser impossível abarcar todas as particularidades das obras artísticas. Quanto mais ricas, mais elas se tornam cheias de diferentes possibilidades de leituras para estabelecermos um diálogo reflexivo com as mesmas. Entretanto é importante ficar claro que abordar determinados aspectos de uma obra em detrimento de outros é menos generalizar que optar por “qual janela da obra artística vai-se entrar para iniciar a reflexão crítica”, como sabiamente observou Maria Aparecida Baccega, livre-docente pela ECA/ USP, no final da década de 1990 durante um workshop de crítica de televisão.
Por que, para que e para quem escrevo este artigo? Talvez uma necessidade imensurável de partilhar a sensação de que há uma crise na crítica teatral, assim como há uma crise em distintos setores da ética das relações. Escrevo para buscar autocompreensão, para lembrar a mim mesmo e a meus leitores que reconheço as crises que me circundam, lembrar que somos passíveis de erros, lembrar que minha meta como ser humano é superar crises e seguir adiante, que reconheço que erramos mas que podemos transformar erros em acertos com paciência e dedicação.
Sei que o exercício da crítica é dos mais complexos de todas as formas de reflexão. Creio que no artigo
Milaré aponta que a crítica teatral escrita para os veículos de comunicação de massa, diferente de seus vizinhos de veículo, reportagens e afins, distanciam-se sobremaneira do olhar objetivo frente a seu material de analise. A crítica é irmã gêmea da subjetividade, e, recorrendo mais uma vez ao artigo de Sebastião Milaré, é esperado do crítico um olhar diferente do espectador comum, o olhar de um “especialista”, ou seja, daquele que tenha um nível instrumental de conhecimento para que possa fundamentar suas opiniões, mesmo se e quando elas despertarem controvérsias. Aliás, quanto maiores as divergências de opiniões, mais ricas as discussões sobre o objeto em questão.
Num dos capítulos de uma dissertação de mestrado, de Janine Koneski de Abreu (O Diabo São os Outros - A Relação entre Crítico e Criticado em Três Momentos Históricos do Teatro Brasileiro, Florianópolis, 2004, orientada por Edélcio Mostaço), justamente sobre o embate entre o crítico e o artista, é uma reflexão sobre a chamada “crítica impressionista”, aquela em que o crítico escreve seu texto reflexivo logo depois de ter assistido a estréia de um espetáculo, rótulo que, longe de ser pejorativo, era aceito por ninguém menos que Décio de Almeida Prado, nosso maior referencial da crítica teatral brasileira, torna ainda mais evidente a necessidade do conhecimento erudito do crítico, bem como de sua delicadeza ao tratar de um estilo teatral que não gosta ou não tem, ainda, os instrumentos suficientes para sobre ele refletir.
Claro que a carga subjetiva do crítico vai influenciar seu caminho para a escrita de suas reflexões, mas é entregar-se ao perigo de apreciações levianas emitir opiniões precipitadas, sobretudo porque somos formadores de opinião.
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