Grupo Ginga desabafa: “o público de MS está despreparado”
14 de Abril de 2009 / Paulo Fernandes
Com 23 anos de estrada, a Ginga Cia de Dança resolveu questionar os rumos da dança em Mato Grosso do Sul e chegou a conclusão de que o público não está pronto para o espetáculo.
O primeiro ponto de interrogação aparece no nome do espetáculo (Cultura Bovina?). “O que (realmente) é a dança?”, “existe uma política para a cultura em Mato Grosso do Sul?” e “vale a pena todo o esforço?”, são outras perguntas feitas, como forma de desabafo, pelo campo-grandense Chico Neller, de 44 anos, fundador da Ginga.
Após quatro horas de ensaio, ele concedeu a entrevista ao Palco Urbano sem fazer cerimônia, acomodado em uma cadeira de palha, no andar superior da sede do Projeto Dançar, no bairro Taquarussu, em Campo Grande. Neller fala com a autoridade de quem conquistou diversos prêmios importantes, incluindo o de melhor coreógrafo do maior festival de dança do país, o de Joinville.
Para o diretor e coreógrafo, “Cultura Bovina?” tem cumprido o papel de provocar o público a pensar. Mas isso não significa que ele está satisfeito.
Neller afirma que em Mato Grosso do Sul a dança é vista como algo elitista. Por isso mesmo, poucas pessoas assistem aos espetáculos. E a maior parte dos que vão às apresentações espera um show com uma mensagem simples e explícita.
Cultura Bovina? não tem nada de evidente. O objetivo é deixar subjetivo. É dar liberdade de leitura e de sensação. É provocar. Provocação que começa no nome da apresentação, que coloca lado a lado duas palavras antagônicas: a cultura, que carece de incentivos, e o interesse econômico do Estado, que vive da agropecuária e do ICMS arrecadado através do gás boliviano, que entra no país através de Corumbá (MS).
“Eu achava que vaca valia mais que a gente (sic). O Estado vive em função dos bois”, cutuca. Chico Neller diz que falta apoio do Poder Público para a dança. Campo Grande, segundo ele, é uma das poucas capitais brasileiras sem uma companhia de dança pública.
Para Neller, a política de incentivo do Poder Público segue uma regra própria. “Os políticos impõem e a classe aceita”, diz. Por isso mesmo, quase todos os bailarinos do Ginga precisam conciliar o trabalho na companhia com outra atividade.
Com cinco anos de Ginga e quase uma vida toda dedicada a dança, a douradense Júlia Aissa Vasconcelos tem o papel de maior destaque na apresentação. Ela fica quase o tempo todo dentro de um cubo vazado, enquanto os outros bailarinos estão livres.
O cubo representa ao mesmo tempo um curral e os limites impostos pela sociedade e pelo Poder Público. “É um balé questionador, subjetivo. As pessoas percebem o questionamento, mas elas não recebem isso gratuitamente. Elas saem dizendo: ‘não sei se entendi‘. O objetivo não é entender, é sentir. A arte não é literal. Cada um sente de uma forma”, afirma Júlia.
Segundo o dançarino Júlio Cercer Floriano, cada espectador assimila a apresentação de uma forma. “São vários os tipos de reação: tem gente que estranha, que acha engraçado ou peculiar. A maioria sai instigado, mas muitos não entendem. Não é uma apresentação tão clara”.
A bailarina Débora Higa diz que nada tem mudado para a dança contemporânea em Mato Grosso do Sul. Falta incentivo do Estado e a mentalidade do público permanece a mesma.
Mas uma mudança mais ou menos silenciosa tem ocorrido. Gustavo Lourenço da Silva, de 18 anos, por exemplo, foi aluno do Projeto Dançar - que ensina a arte gratuitamente. Há quatro anos, ele faz parte do Ginga e é outro bailarino de Cultura Bovina?.
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