6 de novembro de 2008

Desconstrução contemporânea


     Antônio Abujamra e os fundadores da cia. Anjos Pornográficos encabeçam a terceira montagem mundial de Começar a Terminar, texto quase inédito de Samuel Beckett em versão desconstruída. Encomendado ao irlandês Samuel Beckett (1906-1989) pelo ator e amigo Jack MacGowran, o monólogo Começar a Terminar ( Beggining to end) é uma junção de trechos de suas várias obras que tratam do fim da vida. Permaneceu em cartaz durante três anos até a morte precoce de MacGowran, aos 54 anos, depois de filmar O Exorcista (1973). Publicado modestamente numa tiragem de 300 exemplares e caído no esquecimento desde então, o texto foi remontado em 2007 pelo ator português João Lagarto, que repassou o original para Nathália Corrêa e Miguel Hernandez, fundadores da companhia teatral Anjos Pornográficos. Disposta a fazer a terceira montagem mundial de Começar a Terminar, a dupla voltou ao Brasil e contou com a participação de Antônio Abujamra no processo.

     Juntos, eles identificaram a quais obras pertenciam os trechos, os adaptaram para o português do Brasil e inseriram outros fragmentos de Beckett e alguns de autores transgressores que de alguma forma estão ligados ao século 20. "Trabalhar com o Abujamra, pela grande referência literária que ele tem, é sempre colocar outras frases de outros autores, que doem uma complexidade maior àquilo que ele está dizendo", explica Miguel. O resultado foi uma história fragmentada que não respeita lógica ou cronologia, assim como propõe a obra beckettiana. O monólogo passou a ser interpretado por Miguel e Nathália, tendo Abujamra numa posição de narrador onipresente.

                                                                                                  

     Como a maior parte veio da prosa, Começar a Terminar não tem rubricas, orientações do próprio Beckett quanto à interpretação. Essa foi a chance do trio para quebrar a maneira estigmatizada de montar Beckett no Brasil, um padrão difícil de ser superado. "Como todo grande autor, Beckett tem fôlego pra seguir por muitos anos, mas a forma tem que ser repensada, porque senão ela se esgota", é o que justifica Miguel quando questionado à liberdade criativa que assumiram na montagem. O teatro brechtiano de Abujamra propôs então uma desconstrução com direito a quebra da quarta parede - a separação imaginária entre o palco e a platéia é quebrada quando o ator se dirige diretamente ao público com a intenção de repensar o teatro e a vida real - metalinguagem e humor. Sim, humor.

     "Quero mostrar que existe a possibilidade de descobrir a comédia em Beckett, que não é saudada pelos fundamentalistas beckettianos. Eles adoram aquele silêncio, aquela paixão de igreja. Eu não, eu quero descobrir a comédia que tem nele, que todo mundo diz que teria, mas ninguém sabe fazer. Eu, então, inventei um humor beckettiano", explica Abujamra. "O humano tem o humor em qualquer situação, mesmo nas trágicas você tem momentos cômicos", completa Miguel. Nathália lembra ainda que Beckett dizia ser só sentimento, o que possibilita o riso e justifica o recurso da repetição sempre presente nos discursos dos personagens. "Beckett não quer te atingir pelo raciocínio, mas é a repetição que torna o discurso sensorial. Você vai entrando num outro estado de percepção", um mantra, diz Nathália. Olhá-lo dessa forma, sem grandes complicações, é perceber que ele quer dizer o que está dizendo, basta você querer entender.

                                                                                                     

Começar a Terminar | Teatro João Caetano - Rua Borges Lagoa, 650, São Paulo/SP | Até 23 de novembro de 2008 | Sexta e sábado, às 21h; domingo, às 19h | Duração: 50 minutos | Recomendação: 14 anos | Preço: R$ 10

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